sábado, 19 de fevereiro de 2011

Todos os Nomes...


De tanto lidar com as palavras, com o som e o sentido das letras compondo as sílabas e, estas, sentenças, na torrente viva das ideias e das imagens, pode-se facilmente notar: os nomes falam de seus donos, ou, melhor, cantam seus donos. A chave de letras que batiza as coisas e as pessoas é um código que impregna para sempre quem o carrega.

Eu já me explico. É como se uma vocação predestinada nos assoprasse no momento exato do batismo, dizendo: você é isto, este é seu epíteto. Já reparou que nomes no gerúndio geralmente se referem a pessoas tranquilas, concatenadas? Armando, Orlando, Dilermando, Alcindo, Fernando parecem ter o tempo natural das coisas, tocam a vida vivendo, como sugerem seus nomes. Já aquelas batizados em particípio, não, são mais sôfregas. Aparecida, Benedito, Conrado, Brígida, Amado, Anunciada tendem a uma certa angústia, próxima do desalento, justamente pela definitude irrefutável de suas alcunhas.

Você pode estar pensando que brinco. Não, nada disso. São décadas dedicadas à observação que embasam minha tese. Considerando que nomes se sobrepõem há séculos, geração após geração, é pouco, reconheço, mas pode conferir. Há os nascidos no imperfeito, veja que desolador: Lindalva, Sofia, Marília. Os que ostentam nomes no infinitivo, geralmente são práticos, mas depende da conjugação. Os da primeira são alegres, Waldemar, Jomar, Edgar, Solimar. Os da segunda são sérios, como sói ser Javer, Elder, Weber. Os da terceira são descontraídos, quase filósofos: Jadir, Jacir, Emir. Os da quarta (sim, já houve um dia a quarta conjugação, rebaixada para segunda, na década de 1950, por se originar na forma “oer”) são trabalhadores, Claudionor, Leonor, Sandor. Há nomes que vivem no passado, Amadeu, Mikhail, Alceu, Dirceu, Magali. Mas há também nomes no mais-que-perfeito: Maria, Valéria, Rogéria. Há nomes que demandam: Ronai, Adonai, Vanderlei, suplicam como seus donos. Há aqueles imperativos, Adira, Jandira, Alzira, Tamires, que referem-se normalmente a pessoas de pavio curto: Jeová e só volte quando estiver pronto.

Bem, deixemos de lado os nomes verbais, pois, se o ritmo é a alma da poesia e da boa literatura, por que não teriam também os nomes, palavras que são, uma música interior? Repare, veja a musicalidade de nomes como Inácio de Loyla Brandão, Arthur Moreira Lima, Carlos Heitor Cony, Rodrigo Andrade de Melo Franco… Não são nomes, são versos à espera de uma rima, capazes de fazer da lista telefônica uma camoniana epopeia, triunfante e gentil. Agora ouça isto: Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac. Não é lindo? Um dodecassílabo perfeito!

Há nomes que não serviriam para nomear um príncipe, exatamente pela falta de musicalidade e ritmo. O nome de um rei deve ser doce e imperativo ao mesmo tempo. Assim, o infante Dom Henrique D’Orleans e Bragança já nasceu com o nome bordado em ouro, como um passaporte, um grincarde para todos os palácios reais. Trombetas ressoam à sua asssinatura.

Agora imagine chamar-se Ariclenes Venâncio. Lima Duarte trocou, fez bem. Não que eu considere o nome feio, nenhum nome é feio, pelo simples fato de que abriga em si um ser humano, mas, convenhamos, há de haver uma adequação entre nosso nome e nossa função nesse mundo.

Nomes mais átonos, como Paulo, Kátia, Carla, geralmente nomeiam pessoas mais decididas. Nomes como Adriana, Jackeline, Antenor se resolvem mais na frente. São mais amorosos, entregam-se mais, mas procrastinam mais também.

Enfim, simpatizamos, compramos e nos apaixonamos antes pelo sentido inicial dos nomes. Experimente chamar um poodle de Pacheco, Adamastor. Não colará, é como batizar de Fifi um são bernardo. Jack cairia bem a um cão assassino, por exemplo.

Nomes são fardos tão pesados que chego a pensar que as pessoas mudam ao longo da vida apenas para se parecerem mais com seus nomes próprios e, assim, levá-los consigo mais propriamente sem tanta dificuldade. Estamos na vida como personagens de um roteiro especialmente escrito para nosso nome. Outro modo de levar o tal fardo é assumir apelidos mais leves, como Tereza, amiga do colégio, que exigia ser chamada de Teca. Vem cá, Tereza é um nome lindo, mas nomes são mais que um indício, são um carimbo. Coqueluche das mudanças de nome, os numerólogos saíram de moda, não se trata de números. Em outras palavras, não é a letra, é a música.

Mais um exemplo: os chatos não têm nomes de chato? Pode conferir. Eu só não vou dar exemplos aqui para não magoar ninguém nem provocar uma desnecessária corrida aos cartórios. Depois, vai que Marcílio aparece na lista…

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